6.10.09

defeito


ou pequena crônica sobre o gato e a crueldade social


vária vezes observei uma senhorinha levando seu lindo gato siamês, preso numa coleira, pra fazer cocô.
ela sempre o levava perto da garagem, numa área onde transitam pessoas e crianças...
um dia resolvi conversar com ela.
dei bom dia, e falei da observação que havia feito. perguntei se ela não achava um tanto inconveniente o lugar escolhido para seu gatinho cagar. visto que havia tantas outras áreas para suprir a necessidade do bichano... (vejam que nem ao menos lhe critiquei sobre o fato, ignorando meus próprios valores para falar com essa senhora, posto que ao meu ver animais domésticos devem fazer suas necessidades em casa... afinal são "domésticos" e se forem para rua que seus "familiares" recolham a sujeira... enfim... não disse nada!)
ela me respondeu que eu deveria cuidar da minha vida. que o gato era dela e que onde ele cagava não me dizia respeito.
fora outros impropérios... que não vem ao caso do relato, apenas a presença das palavras cocô, cagada e cagar, já dão o tom da merda que trata essa crônica...
fui embora entre perplexa e indignada...
como que por birra ela começou a se fazer presente todas as manhãs e tardes de meus dias, com seu gatinho cagando satisfeito...e a me olhar com cara de provocação...
lua cheia e eu também ... destemperei...
chegando em casa ela estava com o gato cagando ao lado da minha garagem, ao abrir a porta do carro tive que passar por sobre a merda do gatinho...
não pude me conter. perguntei o que havia de errado com ela... que mau exemplo ela estava dando...
em resposta ela me disse que a deixasse em paz... por que é que eu me preocupava tanto, que o gato dela cagava onde ela bem quizesse... que eu nem deveria estar aqui (tenho um sotaque diferente!) resumindo... uma chuva de novos e piores impropérios...
no outro dia fui procurar o sindico do condomínio... tentar resolver a situação, saber se aquela senhora tinha família, pedir desculpas por ter falado com ela em tom rude... cimentar toda a garagem enfim algo que solucionasse meu desejo de justiça.
nisso encontro uma moça que vem se aproximando e me pergunta porque eu perseguia sua mãe.
pedi que me acompanhasse até minha garagem... e lhe mostrei os montinhos de merda do gato...
ela me disse não estar vendo nada... apenas areia! porque é que eu implicava com o gato dela... haviam tantos gatos pelo condomínio...
lhe expliquei que não implicava com o gato dela, adoro gatos, nem com a mãe dela, adoro velhinhas, muito menos com ela que nem conhecia, adoro gente desconhecida, a questão era outra...e por ai foi nossa conversa, relatei a provocação, as cagadas matinais e vespertinas, não pude deixar, desta feita, de dizer o que penso sobre criar animais domésticos, me usando inclusive como exemplo, que não os criava mais justamente porque não podia mais manter o padrão de vida de um gato doméstico ( detefon, almofada e trato!).
parece que depois de um tempo da conversa ela continuou não entendendo do que eu falava... mas se comprometeu a não deixar o gatinho cagar no caminho... (percebam que pouco vai mudar, ele apenas não irá cagar mais na passagem da garagem... cagará  pelo condomínio... levado pelas mãos de seus familiares)
fui para casa aos prantos... ao encontrar com minha vizinha,  ela me perguntou o que eu tinha, disse estar muito cansada. ela toda consoladora começou logo a dizer que a vida é assim... que ela também passou maus bocados para criar os filhos...
lhe contei que não estava cansada do trabalho de cuidar de uma criança... isso era bom para mim...
estava cansada de me sentir mal entendida, falei do gato, falei dos vazamento no prédio, do som alto dos vizinhos... da pintura descascada do prédio, falei que todos tem carros, internet, tv a cabo, mais que não se importam com o lugar onde moram... era disso que eu estava cansada.
ela suspirou, e me disse para ignorar... é isso que  amaioria das pessoas deve  fazer sobre os problemas coletivos... ignorar!?
ignorar um comportamento é ignorar quem o tem...eu disse que não conseguia ignorar outro ser humano...
ela suspirou novamente e disse que eu iria enlouquecer então!
passei toda a manhã chorando e me sentindo louca... deslocada, no lugar errado...
queria conseguir sensibilizar as pessoas, mas elas não gostam do que falo, meus argumentos são inúteis para a lógica individualista ... elas gostam da opressão violenta, da crueldade e do esquecimento da condição humana.
o comportamento humano me parece estranho... meu próprio comportamento me parece estranho...
pretendo me lembrar disso, mas acabo sempre esquecendo... esse parece ser meu maior defeito.






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