14.9.09

Estado Patriarcal

Ou família e cidadãos


Ao entrar no prédio de arquitetura requintada e divisórias sujas de compensado, pressentiu o paradoxo da situação.
A atendente estava felicíssima ao telefone, contando para alguém sobre os livros que estava lendo. Falava animadamente como se estivesse em sua casa. Ao vê-la entrando continuou conversando e a atendeu de maneira nada acolhedora.
- É boletim de ocorrência? É só sentar ai!
Ao seu lado uma senhora aguardava.
A atendente fazia outra ligação, quando a srª perguntou algo e não obteve uma resposta. Então olhando para ela disse:
- Como será que faz pra desfazer?
- Desfazer o que srª?
- Minha filha, dei queixa faz cinco anos... agora é que me chamam aqui? Se fosse pra morrer já tava morta. Devia ter um jeito de desfazer...
Perplexa estava, perplexa continuou.
Abre-se uma porta e um homem pergunta:
- É B.O.?
Entre chocada e intimidada, balança positivamente a cabeça.
Entra e senta numa sala encardida, feia e com papéis de bala de hortelã pelo chão, próximo a mesa.
- O que aconteceu srª?
Relata o ocorrido.O homem ouve e começa a falar:
- A srª sabe que a lei “Maria da Penha” é rígida. A Srª tem todo direito de registrar a queixa, mas sabe que o agressor pode até ser preso. Se fizerem qualquer levantamento criminal, no caso de trabalho, vai aparecer na ficha dele. Bom, é só pra Srª saber. Vai querer mesmo registrar?
- Meu sr, estou muito chocada! A questão não é só criminal. É ética. A “justiça” é perversa nesse sentido. Punição faz mudar sentimento e atitudes? Punição muda o machismo?
- É srª, entendo o que diz... estou falando só para esclarecer. a srª tem todo direito de registrar a queixa... sabe, até agora temos o montante de uns 2.500 registros de violência doméstica. Até o final do ano deverá chegar a 4.000. bem a srª faça o que achar melhor...
-Não meu sr., não vou registrar...

Saiu de lá pensando sobre seus próprios valores, distorcidos em relação a sociedade que vivia, sentindo por fazer parte de uma sociedade onde justiça é punição. Justiça para ela significava cuidado, participação, disponibilidade, segurança e amor.
Saiu de lá disposta a mudar a sociedade, saiu de lá mudada para sempre...

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