" existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. seu focinho é úmido e fresco. eu beijo o seu focinho. quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. amenos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. aviso que ele não tem nome: basta chamálo e se acertar com seu nome. ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez".
23.3.10
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